Crise do Jornalismo Impresso nos EUA

Posted by Maria das Graças Pinto Coelho 5 de out. de 2009

Os diários morreram realmente há uma geração e agora são os seus cadáveres que por aí perambulam
por Michael I. Niman [*]

'Don't Rest In Peace', Cartoon de Poderiu. Os títulos dos jornais e dos noticiários de TV soam a obituários para o negócio do jornalismo, como se de repente a indústria estivesse "de patas para cima" a morrer. Os grandes diários dos EUA efectivamente sofrem grande agitação financeira e alguns importantes recentemente fecharam as suas portas, enquanto a maioria reduz pessoal. Alguns, como o Wall Street Journal e Los Ángeles Times, encolheram fisicamente a apertaram os seus cintos ao máximo, ao passo que o The Detroit News/Free Press e o Seattle Post-Intelligencer afastam-se do papel impresso para converterem-se em diários virtuais. Há pouco fecharam jornais como o Rocky Mountain News, de 150 anos, em Denver, o Cincinnati Post, de 128 anos, em Cincinnati; e o Albuquerque Tribune, de 87 anos. Agora engrossam o monte de diários que servem de lápide à indústria.

Contudo, a história do colapso do jornalismo é uma notícia velha, como muito do que lemos na imprensa diária. Os jornais já morreram há bastante tempo. A única novidade é que os seus corpos de zumbi continuam o jogo. Sei que isto parece cruel e, sem dúvida, despertará a cólera de legiões de cortadores de cupons, entusiastas das palavras cruzadas e outros que leram a nota só até aqui.

O lucro e a cobiça matam os grandes diários

O colapso da indústria jornalística foi antecipado pela sua perda da diversidade e do pluralismo. O modelo do monopólio chegou a dominar a indústria até a metade do século XX. Quase em cada cidade dos EUA houve um diário dominante, mantido a flutuar por uma economia de escala cada vez maior, que afugentou a sua concorrência do negócio. Antes do fim do século, aproximadamente 98% das cidades estado-unidenses converteram-se em urbes de um só jornal.

Os monopólios ameaçaram a democracia, como os diários a actuarem muitas vezes como porteiros das notícias regionais, cujo controle lhes permitiu dominar a política local e alcançar um poder sem limites. Poucos políticos atingido pelo diário local viveram sabiamente para contar. E subiram os preços da publicidade e, por vezes, ao ponto de ameaçar a própria existência do negócio.

Com os seus monopólios regionais, os jornais geraram regularmente lucros para os seus investidores da Wall Street, convertendo-se numa das indústrias mais rentáveis do país. Contudo, mataram a lenda romântica do jovem repórter que perseguia as notícias quentes, lutava contra a corrupção, dava furos jornalísticos e salvava a democracia. Os conglomerados controladores do negócio converteram-no simplesmente numa fábrica de lucro, assumido cada vez mais não para informar, educar ou agitar e sim para fazer dinheiro.

O modelo do monopólio deu aos jornais bem-estar financeiro, mas este resultou efémero porque a arrogância dos editores que engordaram os seus lucros viram estes lucros mais como um direito do que como algo que devessem conservar com algum trabalho. Sem competição, despediram pessoal inclusive em épocas financeiras boas, impelidos pela cobiça de margens de lucro cada vez maiores. As histórias genéricas relatadas pelas agências de notícias substituíram de maneira contundente a investigação de situações noticiosas locais e os jornais perderam significado fonte de informação local.

O modelo matou notícias... e leitores

O modelo do lucro prostituído significava que os jornais evitavam morder as mãos dos que os alimentavam. Isto significava evitar histórias que aborrecessem anunciantes, amigos de anunciantes e da gente que os anunciantes bajulassem. Significava também evitar qualquer controvérsia que pudesse de qualquer forma inquietar qualquer parte que pudesse um dia pensar em fazer publicidade. Entre estas duas categorias censuradas está a maior parte das matérias que tornam os jornais tanto necessários como vibrantes.

Na sua forma mais extrema, o modelo do lucro prostituído significava não só tentar não ofender como realmente bajular os anunciantes. Portanto, os jornais substituíram notícias duras por notícias suaves, historietas sem valor sugeridas por anunciantes e secções inteiras do jornal orientadas por publicitários.

Pense acerca disto: Quando foi a última vez que leu uma notícias na secção automobilística crítica de um carro, ou uma notícia na secção imobiliária crítica de padrões de desenvolvimento irresponsáveis?

A nível macro, o lema "beneficiem-se do poder e não façam perguntas" a que os jornais aderiram deixou-nos com praticamente todos os principais quotidianos nos Estados a papaguearem vergonhosamente a propaganda desacreditada da administração Bush nos preparativos de 2003 para a invasão do Iraque. De facto, muitos críticos dos media agora argumentam que o viés pró guerra dos jornais americanos foi um factor chave para permitir que a administração Bush levasse o país à guerra. Fontes de notícias alternativas, residentes sobretudo no ciberespaço, contestaram esta falsa informação com o que se demonstrou serem análises prescientes e informação mais precisa — mas elas não podia conter a desinformação disseminada pelos jornais.

Olhe a contagem do Project Censored relativa às notícias mais importantes mas menos relatadas dos últimos 20 anos. Eles escolhem 25 notícias impressionantes por ano — matérias como a Halliburton a vender tecnologia nuclear para o Irão, a Halliburton a obter contratos para construir centros de detenção nos EUA e acções da Halliburton de Dick Cheney a subirem 3000 por cento durante a guerra do Iraque. Estas notícias vão desde permissões do governo para carcinogénicos na nossa água e comida à destruição do habeas corpus e das protecções de direitos humanos básicos e a pilhagem corporativa por atacado de recursos naturais.

Mas, em qualquer ano considerado, pode contar o número destas notícias divulgadas pelos jornais diários pelos seus polegares — e muitas vezes deixando um polegar ou dois de fora. Os jornais deixaram-nas cair. Eis porque nos voltámos para outras fontes para a nossa informação.

Sucateando a marca New York Times

Certo, o modelo papel de jornal de transformar florestas em polpa de papel está datado na era digital, mas não é por essa razão que estas organizações de notícias em massa estão a morrer. Os principais jornais de hoje têm, em média, um século ou mais de construção de marca sob a sua cintura. Eles deveriam ser os reconhecidos jogadores mestres na indústria das notícias, em todos os media. Deveriam ser marcas fortes e bem colocadas para dominar a paisagem convergente dos media — mas após uma geração de auto-complacência, as suas marcas, e portanto o seu valor na Wall Street, são lixo. Depois de levar-nos à guerra com a pouco inteligente Judith Miller a torcer pela administração Bush, porque deveríamos nós confiar no New York Times para informação acerca do Iraque? E na verdade porque raios deveríamos pagar pela sua desinformação?

Muitas das histórias que estamos a ler e assistir acerca do colapso dos jornais são de autoria de jornais a choramingarem acerca da sua própria morte auto-induzida, ou por organizações de TV analogamente dirigidas e igualmente prostituídas, a alegrarem-se prematuramente com o mal alheio, a morte dos jornais, como se elas não seguissem estreitamente o mesmo caminho para a irrelevância. A faltar nesta análise está a cobertura acerca do crescimento consequente de organizações de media democráticos que realmente desafiam o status quo e informam novas notícias realmente perturbantes. Neste contexto, o noticiário não é uma corrida para a geração de iliteracia e apatia e sim algo muito mais esperançoso rumo à revolução dos media. Vamos encarar isto como um ajustamento de mercado, com o valor do modelo propaganda a cair em queda livre. Isto não é um desenvolvimento mau.

A lista de Craig e o fim da civilização

Contudo, os grandes media não morrem com elegância. Não. Eles estão apinhados com um conjunto de gabarolas – os chamados peritos – que nos dizem que os jornais foram liquidados pela Lista de Craig [1] .

Pense acerca disso. Parece que a misteriosa perda de receita dos classificados acabou por ser a bala de prata que põe o morto-vivo a descansar. Mas (e raramente alguém pergunta) porque os diários perderam os seus anúncios classificados? Por coincidência, esta perda veio nos calcanhares da sua redução de leitores. E muitos daqueles anúncios migraram não para a Lista Craig e sim para semanários alternativos que têm estado a captar as omissões de reportagem quando os grandes se esquivam às histórias perigosas. Isto é o mercado em funcionamento — Friedman, não Marx. Onde é que você olha quando quer arrendar um apartamento? E os semanários não herdaram estes anúncios dos parentes mortos — eles trabalharam por eles ao mesmo tempo que os diários paravam de trabalhar.

Para o jornalismo prosperar, os jornalistas precisam ser pagos. Os críticos dos media democráticos apressam-se a destacar que o mercado não pode suportar um milhão de locais de informação on line, e as pequenas organizações de media podem apenas permitir-se pequenos salários para um punhado de trabalhadores. Assim, prossegue a argumentação, precisamos de um novo modelo para financiar a qualidade dos media.

É verdade, realmente. Mas este mesmo argumento muitas vezes opera com base na premissa de que o velho modelo — grandes jornais monopolistas — estavam a fazer isso e que a morte desses grandes significa agora o fim do jornalismo como profissão.

O sistema de remuneração pelo qual os profissionais do jornalismo são pagos tem sido louco deste há muito pois concede prémios aos piores redactores, os mais invertebrados e lambe botas, enquanto pune o trabalho árduo dos jornalistas que assumem riscos. Vamos examinar o New York Post, por exemplo — claramente um dos piores pasquins do país, o mais sensacionalista, traficante do medo e xenofóbico. Eles empregam alguns dos mais altamente pagos "jornalistas" na indústria. Enquanto isso, na mesma cidade, o poderoso Indypendent (sim, grafa-se com um "y") que ganhou prémios confia em redactores voluntários para algumas das melhores reportagens locais de investigação do país.

Se cessarmos de premiar lacaios por liquidar a sua suposta profissão, isso não é uma coisa má. Descobrir fluxos de receita para pagar bons jornalistas e toda uma outra questão.

Não há lágrimas para o media corporativos

A questão de fundo aqui é que apesar de não haver um futuro para os jornais sem alma, aqueles dos zumbis monopolistas, há um futuro para o jornalismo. Recordo de uma reunião que tive há uns poucos anos com uma delegação de jornalistas ucranianos. Eles eram todos de meia-idade, o que significa que eram treinados como jornalistas numa sociedade soviética totalitária onde não havia jornalismo [2] . Entretanto, geração após geração, jornalistas ambiciosos aprenderam qualificações de que foram impedidos de usar. Então o império entrou em colapso e quando isso aconteceu havia jornalistas à espera para sair da hibernação.

Talvez esta seja a notícia aqui. Talvez o colapso dos jornais monopolistas auto-censurados finalmente rompa o colete de força que a mediocridade manteve sobre o jornalismo durante uma geração. Talvez isto signifique que bons jornalistas não terão de se manter em outras profissões para poderem sustentar-se. Talvez isto signifique que os compadres não editem mais jornais.

Ou talvez não venha a mudar senão o canal pelo qual é entregue a desinformação e a trivialidade. Em qualquer caso, não vou derramar quaisquer lágrimas pelos media corporativos.

[*] Professor de jornalismo e estudos de media no Buffalo Sate College, colaborador de Projecto Censurado . Seus escritos estão disponíveis em www.artvoice.com , e www.mediastudy.com .

[1] Craigslist : rede centralizada de comunidades online que apresenta anúncios classificados gratuitos.
[2] É a opinião do autor. Resistir.info não tem concordar com tudo para publicar um artigo, mesmo quando o autor diz enormidades.
O original encontra-se em http://www.medios.org.ar/?p=416 . Há versão em castelhano em http://www.argenpress.info/search?q=Niman. Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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