No próximo número da revista VIVÊNCIA, uma grande mudança será efetivada. A revista deixa de ser interdisciplinar e mantida pelo Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA-UFRN) e passa a ser uma Revista de Antropologia, mantida pelo Departamento de Antropologia (DAN ) e pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS), ambos no CCHLA-UFRN. A revista tem hoje conceito B2 da CAPES na área e tende a consolidar-se entre os antropólogos nos próximos anos. Essa mudança não se deu por acaso. Muitos números dos últimos anos versaram sobre temáticas (Cultura Popular, Memória, Narrativa e Memória, Imagens, O corpo, entre outras) que favoreceram a participação dos colegas da Antropologia de todo o país. Mais do que isso, vários dossiês tiveram colegas do próprio Departamento de Antropologia como Organizadores. São os casos de CULTURA POPULAR, organizado pelo professor Luiz Assunção; MEMÓRIA, organizado pela professora Julie A. Cavignac; e IMAGENS, organizado pela professora Lisabete Coradini.

A VIVÊNCIA tem-se dedicado a números temáticos desde 2002, quando foram feitas as primeiras chamadas de artigos em torno dos “dossiês”. Ao longo de todos esses anos, a revista esteve voltada à difícil tarefa de tornar-se um veículo interdisciplinar de discussões acadêmicas nas áreas das Humanidades e das Ciências Sociais, incluindo as Sociais Aplicadas. Foi implantado, com rigor, o regime de análise cega por pareceristas, excetuando-se, em alguns números, a seção “Autor Convidado”, sob a responsabilidade direta do Editor. A revista é hoje conhecida em todo o país. Cada chamada de artigos atrai um grande número de interessados. Por isso, em muitos casos, os dossiês têm sido distribuídos em vários números da revista. O dossiê sobre “O Corpo”, por exemplo, que teve 42 artigos aprovados entre os mais de 60 submetidos, ocupou três números completos da revista (n.35, n.36 e n.37).

Esta edição da revista (n.38) coloca em discussão mais um tema de grande interesse: a modernidade na América Latina. Inclui 10 artigos de colegas de várias instituições brasileiras e do exterior. Neste número, contamos com a participação inestimável de dois colegas do Departamento de Comunicação Social da UFRN: a professora Maria Érica de Oliveira Lima e o professor Sebastião Guilherme Albano da Costa, que, tendo proposto o tema, atuam como Editores Convidados. A revista VIVÊNCIA passa, assim, a partir do número 39, a seguir nova orientação editorial e a ter novo foco acadêmico. Após quase dez anos como Editor da revista, despeço-me da função, agradecendo a todos os que colaboraram conosco e desejando aos novos editores muito sucesso nesta nova empreitada. Este número da Vivência glosa uma efeméride histórica bastante propagada em 2010 e 2011. Trata-se de um arco temporal mais ou menos convencional para recordar os 200 anos de inícios das revoluções de independência das colônias ibéricas no Novo Mundo, deflagradas, talvez, pela invasão da Espanha por Napoleão, o que em seguida se estenderia a Portugal. Nossa intenção neste dossiê é enfeixar textos que reflitam sobre esse fenômeno direta ou indiretamente, que tangenciem, por exemplo, o fato de que os eventos históricos ocorridos na Europa ou em outros países centrais do concerto internacional sempre reverberaram para além de seus limites territoriais físicos. Esse dado implica dizer, parafraseando Marx, que a modernidade sempre foi um projeto expansivo. Admitimos desde logo que a chamada América Latina é uma espécie de fronteira da Europa, territorialmente no período das colônias e institucionalmente (dos regimes políticos aos idiomas dominantes) após as independências. Com efeito, alude-se em mais de um texto compendiado aqui que a descolonização política transmutou-se em novas modalidades de dependência, uma vez que o formato da sociedade moderna foi delineado ao longo dos últimos cinco séculos e parece haver deslanchado com as grandes navegações exploradoras e a catequização, empresas consagradas com o encontro com o mundo ameríndio em 1492, mas que ainda não supôs um encerramento. No plano das ciências sociais e humanas contemporâneas adotadas como algumas das epistemes legitimadoras desse arranjo histórico, as reflexões que se alinham nesta edição da Vivência afiançam a proliferação do ideário europeu. Como nos concentramos, sem ensejo restritivo, no denominado campo da comunicação, que é antes de qualquer coisa um horizonte, termos como espaço público, cultura popular, mídia etc. mantêm uma regularidade nos estudos coligidos e conotam a ascensão de um aparato conceitual que dá conta dos modos de reflexão sobre os fenômenos modernos encubados na Europa, mas que ascenderam a definidores das relações sociais do mundo contemporâneo. Dessa maneira, tentamos relativizar tanto a ideia de uma globalização recente, de cunho econômico apenas, ao publicar textos que explicitam o caráter transnacional das práticas sociais advindas com as instituições formadas ao início da era moderna, como damos conta da amplidão do temário da Comunicação Social, que abarca discursividades, isto é, sistemas de expressão com lastro retórico, e ciências aplicadas cujo modo de significação não obedece a textos, a argumentações etc., e sim a um esquema anexado às tecnologias. Deve-se salientar que consideramos essas últimas em uma de suas acepções atuais, técnicas que visam a uma adaptação aos moldes da indústria da informação, da comunicação, do conhecimento e do entretenimento. Portanto, este número da Vivência enseja participar de um esforço de crítica ao logocentrismo remetendo-se constantemente a ele sob diversos prismas.

Convite Posse Reitora UFRN

Posted by admin 19 de mai. de 2011 0 comments

A Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN tem a honra de convidar para a Sessão Solene de Transmissão de Cargo de Reitor, do PROFESSOR JOSÉ IVONILDO DO RÊGO para a PROFESSORA ÂNGELA MARIA PAIVA CRUZ, e de Posse do Cargo de Vice-Reitora a Professora MARIA DE FÁTIMA FREIRE DE MELO XIMENES.

Data: 28 de maio de 2011
Hora: 19 horas
Local: Teatro Alberto Maranhão

Traje:
Autoridades Acadêmicas e Professores: Vestes Talares
Demais Convidados: Passeio Completo

Confirmar presença até 25/05
Telefone: 84-3215-3104 (Cerimonial)



Concurso UFC - Mídias digitais e Cinema Expandido

Estão abertas, entre os dias 16 de maio e 14 de junho, as inscrições para concurso de professor adjunto no Instituto de Cultura e Arte, da Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza. Tratam-se de duas vagas nas áreas de Mídias Digitais e Cinema Expandido. Os candidatos aprovados ministrarão disciplinas no curso de Cinema e Audiovisual e em áreas afins do Instituto de Cultura e Arte.
Segue o link para o edital:

Já está disponível para download e leitura online o e-book Território da Folkcomunicação, uma publicação do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e que contou com o trabalho dos organizadores: Betânia Maciel, Maria Érica de Oliveira Lima e José Marques de Melo que também apresenta o livro:

"Enquanto disciplina acadêmica, a Folkcomunicação vivenciou dois momentos cruciais: a criação do objeto, em consonância com a ideia esboçada por Luiz Beltrão e a configuração do campo pela prática dos pesquisadores que endossaram sua proposta inovadora.
Em meu livro Mídia e Cultura Popular: História, Taxionomia e Metodologia da Folkcomunicação (SP:Paulus, 2008) anotei evidências desse processo, vislumbrando os desdobramentos perceptíveis.
A nova geração que institucionaliza a disciplina defronta-se com a missão de atualizar o legado do fundador para dar continuidade ao seu projeto multifacético, de acordo com a natureza da sociedade que marca a fisionomia do século XXI.
Este o desafio pautado pela Rede Brasileira de Pesquisadores da Folkcomunicação, ao realizar sua XI Conferência Nacional, em Natal (RN), em setembro de 2008. Depois de percorrer terrenos íngremes e ultrapassar curvas sinuosas, cobrindo universos que oscilam entre o abrangente - folkcomunicação e cultura brasileira, tema debatido em 1999 - e o específico - comunicação dos migrantes, tema palmilhado em 2007 -, os organizadores do encontro potiguar resgataram, em certo sentido, a problemática lançada em 1998. Naquela ocasião, o foco esteve concentrado na identidade da disciplina. Impunha-se, então, vencido o primeiro decênio de pesquisas e reflexões, questionar os impasses teóricos e os desafios metodológicos, remanescentes ou adventícios". Para ler o texto do prof. José Marques de Melo, na íntegra clique abaixo ou faça o download.

O fim da educação
Por Nelson Pretto (de Salvador/BA)

A vida de pesquisador nas universidades está ficando cada dia mais estranha. Quando comecei minha vida acadêmica no Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia, recebi logo na chegada um lugarzinho, uma sala com ar condicionado, escrivaninha, cadeira, máquina de datilografar, um telefone - que na verdade não funcionava lá muito bem! -, papel e caneta. Os livros, estavam na biblioteca ou os comprávamos, porque também não se publicava tanto quanto hoje. Dividia a sala com mais um colega e, dessa forma, fazia minhas pesquisas sobre o ensino de ciências e dava aulas na graduação. Depois, passei a integrar o corpo docente da pós-graduação em Educação e, também por lá, sem nenhum luxo e bem menos infra, tinha as condições mínimas para pesquisar sobre a qualidade dos livros didáticos, campo inicial de pesquisa na minha vida universitária.
 
O tempo foi passando e a universidade foi se especializando no seu novo jeito de ser. Foi crescendo e ganhando força a pós-graduação, apareceram os grupos de pesquisas que passaram a ser cadastrados no CNPq, surgiu o Currículo Lattes - o Orkut da academia -, a CAPES intensificou a avaliação da pós-graduação e... a guerra começou. Com as demandas para a pesquisa cada dia sendo maiores e o com os recursos minguando (o Brasil investe em C&T apenas 1,2% do PIB enquanto os Estados Unidos, por exemplo, investem 2,7%), a avaliação da produtividade - palavrinha estranha no campo da pesquisa científica, não?! - ganha corpo, no Brasil e no mundo. "Publicar ou perecer" virou o mantra de todo professor-pesquisador. Mais do que isso, nas universidades não temos mais aquelas condições básicas dadas pela própria instituição já que, de um lado, ela foi perdendo cada vez mais seu orçamento de custeio e, de outro, as demandas aumentaram muito uma vez que, mesmo na área das Humanas, necessitamos de muito mais tecnologia. Por conta disso, temos que, literalmente, "correr atrás" de recursos através dos chamados editais. Assim, cada grupo de pesquisa vive em função de sua capacidade de captação de recursos - quem diria que estaríamos falando assim, não é?! - e transformaram-se em verdadeiros setores administrativos nas universidades. Demandam secretários, contadores (esses, seguramente, os mais importantes!), administradores, bibliotecários, constituindo-se em um verdadeiro aparato burocrático para dar conta das cobranças formais de cada um destes editais e de suas famigeradas prestações de contas.

Pois quando pensamos que já estávamos no limite, e os colegas Waldemar Sguissardi e João dos Reis da Silva Jr com o seu "O trabalho intensificado nas Federais" mostraram bem o fundo do poço, sabemos através do colega Manoel Barral-Neto no seu blog "Sciencia totum circumit orbem" que pesquisadores chineses estão recebendo um "estímulo" equivalente a 50 mil reais para publicar suas pesquisas nas revistas de "alto impacto" científico, a exemplo da Science. Nos comentários que se seguiram ao texto, tomamos conhecimento com a postagem de Renato J. Ribeiro que a Universidade Estadual Paulista (UNESP) está dando um prêmio de cerca de 15 mil reais para quem publicar na Science ou Nature, duas revistas de alto "fator de impacto".

Também de São Paulo outra noticia veio à tona recentemente: o resultado da última avaliação realizada pelo Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) apontou que os estudantes não se deram muito bem na avaliação de 2010. É com base no rendimento dos alunos que os professores da rede estadual paulista recebem uma gratificação - um bônus - no seu salário, num esquema denominado "pagamento por performace", implantando no Estado supostamente para "estimular" a melhoria da educação paulista. O que se viu com os últimos resultados é que essa estratégia não funcionou.

E não funcionou porque esse não pode ser o foco da avaliação da educação. A educação, em todos os níveis, precisa ser fortalecida, mas não como o espaço da competição e sim como um espaço de formação de valores, da colaboração e da ética. Em qualquer dos seus níveis, a educação precisa ser compreendida como um direito de todo o cidadão e que não pode ser trocada por uns trocados.

Lembro Milton Santos: "essa ideia de que a universidade é uma instituição como qualquer outra, o que inclui até mesmo a sua associação com o mercado, dificulta muito esse exercício de pensar". De fato, com um dinheirinho extra por cada publicação, com um novo edital disponível para o próximo projeto, com a avaliação da CAPES na pós-graduação batendo às portas, deixando todos de cabelo em pé, e com a lógica do "publicar ou perecer", parece que estamos chegando perto do fim da universidade enquanto espaço do pensar e do criar conceitos. Viramos, pura e simplesmente, o espaço da reprodução do instituído.
E isso é, no mínimo, lamentável. Na verdade, é o próprio fim da educação.

Nelson Pretto é professor e já foi diretor (2000-2004 e 2004-2008) da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. Membro titular do Conselho de Cultura do Estado da Bahia. Físico, mestre em Educação e Doutor em Comunicação.

Fonte: Carpintaria das Coisas/PosHumano (*)
“Copy from one, it’s plagiarism; copy from two, it’s research” (Wilson Mizner)
Aqui na Alemanha não se fala em outra coisa senão no plágio perpetrado pelo Ministro de Defesa Karl-Theodor zu Guttenberg (ah, a ironia de um plagiador chamado “Guttenberg”…) em sua tese de doutorado. Enquanto isso, no Brasil se denunciam novos casos de plágio nas universidades a quase cada semana. Isso coloca em discussão – e confunde – pelo menos três temas importantíssimos, com os quais tenho me debatido continuamente nos últimos dias: cópia, honestidade intelectual e originalidade. Algumas pessoas chegaram a me alfinetar por minha “defesa” do plágio no domínio das artes, como se o escândalo do plágio na academia invalidasse todos os incontoráveis fatos históricos levando à conclusão de que não existe criação sem cópia. Importa, portanto, colocar as coisas em sua devida proporção. Todos nós sabemos que o conceito de “originalidade” tem data de nascimento, e está intimamente ligado aos discursos sobre a figura do artista como “gênio” singular – uma invenção tipicamente moderna. Todos deveríamos saber que não existe arte sem citação, dialogismo intertextual e cópia, assim como em qualquer domínio da atividade humana se opera com base no que nossos antecessores realizaram. Não se faz arte, ciência ou política a partir do zero. No âmbito humano, não existe creatio ex-nihilo, como bem demonstra a literatura bíblica em sua distinção das palavras “bará” (criação a partir do nada, termo reservado exclusivamente à obra divina) e “assá”, o fazer do homem. Imaginemos a cultura como uma interminável conversação (não lembro agora de onde vem essa metáfoa, possivelmente de Kenneth Burke). Trata-se de uma conversa que começou já há centenas ou milhares de anos e continua se processando indefiinidamente. Subitamente, alguém entra na sala e passa a escutar as discussões nas quais os debatedores estão envolvidos. Após algum tempo, esse intruso irá querer particpiar do diálogo, e naturalmente usará em seu discurso argumentos e termos daquilo que escutou anteriormente. Isso não significa que ele não possa trazer nada de “novo” à conversação (reparem que uso o termo entre aspas), porém, certamente não irá partir do zero, refazendo toda a cultura a partir de suas bases. Ora, o mito do criador “genial” está carregado de inflexões religiosas. Alguém já se perguntou por que razão a mais célebre fotografia de Einstein é aquela onde ele aparece com a língua de fora com seu look tipicamente descabelado? O mito implica a idéia de que a fronteira entre loucura e genialidade são muito tênues. Isso porque, paradoxalmente, o criador é tomado de um “entusiasmo” (palavra que etimologicamente significa “estar tomado pelos deuses”) inexplicável em termos humanos. A única origem possível do gênio se encontraria na esfera da transcendência – e daí as raizes profundamente religiosas dessa noção. Não é casual, também, que a palavra “inspiração” remeta ao “sopro dos deuses”. Eu diria que dessa estrutura mítica surge uma fascinante contradição (condição típica de todo mito): quando estou “inspirado” é quando sou menos “original”, já que são os deuses que falam em mim e não minha suposta subjetividade! Nesse sentido, a figura do autor cumpre um papel jurídico, de regulação social e mesmo de ordem religiosa na cultura ocidental. Como dizia Guimarães Rosa, o trabalho de Deus foi criar o mundo, e o do escritor é complementar sua obra. Imaginamos o ato criativo como uma cópia menor do gesto arqutípico de Deus com seu fiat lux. Todavia, podemos dizer que, à frente de seu tempo (mas afinal, Ele existe fora do tempo), Deus já fazia uso dos modos de criação colaborativos, pois foi ao homem que atribuiu a função de nomear todos os seres do Paraíso. E, bem pouco “criativo” em sua atividade, o homem nomeia com base na essência já dada no ser do animal. O cachorro se chamará “kelev”, pois seu maior atributo é a fidelidade (ele é “segundo o coração”, “lev”). Então tudo isso significa que o plágio, pura e simplesmente, pode ser justificado como prática acadêmica? Claro que não, mas vamos por partes. Em primeiro lugar, nem sempre é fácil identificar a fronteira precisa entre o plágio, no pior sentido do termo, e aquilo que faz parte tradicionalmente da estrutura do discurso acadêmico. Ora, um dos pilares do discurso acadêmico é a referência autoral, a busca de apoio a idéias e proposições em trabalhos sancionados pela academia. Quando essa prática descamba para o extremo, ela se converte num “magister dixit” – ou seja, na simples comprovação de uma tese porque um autor consagrado assim o afirmou. Aliás, nada é mais comum na academia que trabalhos nos quais a figura do “autor” do texto se dilui completamente face ao oceano de pensadores e obras citados. Mas entre citações e paráfrases, existem momentos em que a linha divisória entre referência e plágio se esfumaçam. O instrumento que nos serve de guia aqui é a menção explícita da fonte, a atribuição devida ao autor, a chamada “honestidade intelectual”. Quando, porém, encontramos um trabalho onde o autor copia parágrafos inteiros de um texto e em nenhum momento menciona sua fonte, sabemos que se trata de uma “distração” imperdoável ou de plágio descarado. Ora, na cultura contemporânea do mashup, o que encontramos são “plágios explícitos”. Ninguém tem dificuldade em identificar as “fontes” de um criador como Girl Talk, por exemplo. Seu gesto de cópia é honesto e transparente, sem buscar ocultar os diversos pedaços de obras com os quais ele elabora seus “remixes”. Em um de seus ensaios mais interessantes (“A Inovação no Seriado”), Umberto Eco demonstra que toda arte, desde seus primórdios, sempre lançou mão da cópia e da imitação. Aliás, artes seriais, como a gravura estão aí para demonstrar que a serialidade não é um traço exclusivo da chamada cultura “massiva”. De fato, a principal crítica que se poderia fazer à televisão, por exemplo, não é que seja imitadora, repetidora ou serial, mas sim que busca esconder suas estruturas repetitivas sob uma máscara de novidade. Seu maior problema é sua falta de “honestidade intelectual”. Eco faz inclusive uma defesa da cultura midiática contemporânea, afirmando que, diferentemente de nossos antepassados, nosso prazer estético se concentra em desfrutar as mínimas variações de um mesmo tema exaustivamente retomado. Na academia, a nova cultura de plágio que tem se estabelecido nos últimos anos nada tem de interessante. Não se trata de reelaborar criativamente materiais do passado, como fazem hoje cineastas, músicos e escritores. Borges foi, possivelmente, o maior mestre do plágio e da mentira na história da literatura no Ocidente (ao mesmo tempo, que título de livro poderia ser mais honesto que o de sua obra magna “Ficções”? ). Ele continuamente propunha ao leitor um divertido jogo intelectual, consistindo no desafio de identificar, na sua cornucópia de referências, os limites entre o factual e o ficcional. O que temos encontrado na academia são autores medíocres, que escondem sua mediocridade por meio de um gesto nitidamente desonesto. Sim, desonestidade. Não me agrada usar a palavra “roubo”, porque não consigo acreditar que a cultura tenha um “dono”. Na Alemanha, ninguém entende porque Guttenberg ainda não renunciou, dada a gravidade de suas ações para o espírito alemão. Aliás, é interessante lembrar que nenhum povo colaborou tanto para o mito do criador genial quanto os alemães. Foram os românticos, como Novalis, Schlegel e Kleist, possivelmente os maiores responsáveis por essa invenção. E não terá sido Nietzsche, com suas especulações sobre o artista como Übermensch, ser privilegiado capaz de “transvalorar todos os valores”, um continuador dessa mitologia em alguma medida? Mas os românticos foram mestres do palimpsesto, supremos “releitores” de textos (como, por exemplo, a filosofia e a cultura da Índia), grandes “plagiadores”, no melhor sentido da palavra. O problema do plágio de Guttenberg e daqueles que temos testemunhado no cenário brasileiro é que servem unicamente para preservar o status quo. Plagia-se, desonestamente, para se adquirir ou preservar um título. Plagia-se para criar uma falsa aura de superioridade intelectual que, no fundo, nada tem a ver com as reais paixões do intelecto. A verdadeira paixão intelectual (termo que empresto – ou “plagio”? – de Octavio Paz) é ativa, não reativa; é perturbadora e não mantenedora do status quo. A espécie de plágio cometida por Guttenberg não serve para colocar em cheque a noção de autor. Pelo contrário, reforça-a como fonte suprema de autoridade e posse de conhecimento. Em um de seus textos, Borges propõe abandonar a tarefa exaustiva de fazer história literária com base na enumeração de autores e suas trajetórias de vida. Em lugar disso, sugere fazer a história da literatura tomando-a como a vasta obra de um único e impessoal autor (a própria “literatura”). No dia em a cultura não tiver donos, o plágio desonesto não terá mais razões de existir. Pois não haverá mais nada para ser roubado e nenhum lugar onde a mediocridade possa se ocultar…Erick Felinto é Professor of Media Studies and Cyberculture Researcher at the State University of Rio de Janeiro (UERJ)

http://www.poshumano.wordpress.com @erickfelinto (twitter)

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