ELIAS, N. Envolvimento e Alienação, RJ:1998.

Posted by admin 27 de fev. de 2010


Walter Marcelo Ramundo (Mestrando UFRJ) escreveu uma resenha sobre o livro Envolvimento e Alienação de Norbert Elias, que foi publicado em 1998, pela Bertrand Brasil (RJ).

O artigo completo está disponível online e entre outros sites pode ser baixado no link CULTMIDIA do Scribd. O texto completo tem 18 páginas e vale a pena.


Reculer Pour Mieux Sauter (provérbio francês utilizado por Elias no livro, remete a idéia de "o domínio possibilita um maior bem-estar posterior". Frase representativa do que se poderia chamar de defesa da alienação engajada.)
Por que as sociedades humanas resistem mais do que a natureza não-humana a uma mais bem-sucedida exploração dos perigos e catástrofes por elas gerados? E por que quase todos parecem aceitar que isso deva ser assim? Essas são as indagações iniciais de Envolvimento e  Alienação, obra cujos objetivos são versar sobre a natureza do conhecimento das sociedades humanas por intermédio da dinâmica dos dois conceitos que a intitulam, e a demonstração da necessidade de elaboração de uma teoria das ciências que realmente comporte uma integridade em meio à diversidade de disciplinas progressivamente especializadas. A necessidade de um modelo dos modelos não concentrado num único e estático ramo do conhecimento. Publicada pela primeira vez na década de oitenta na Alemanha (Engagement und Distanzierun), chegou ao Brasil quinze anos mais tarde traduzidas pelas mãos de Álvaro Sá. (A escolha de Álvaro Sá pela utilização do conceito “alienação” em detrimento de “distanciamento” gera certamente alguma polêmica. Sá, contudo, explica que sua intenção é a de inserir Elias no intertexto filosófico de modo mais preciso.)

Contudo, as questões levantadas ao longo de suas páginas podem ser compreendidas como a foz de décadas de questionamento que se apresentaram tanto em periódicos alemães e ingleses, quanto na coerência de suas idéias nas obras mais celebradas de Norbert Elias. Questionamentos que podem não soar tão confortável, caso consigamos colocar em perspectiva o processo de nossas próprias vidas de modo realmente consciente. O que vem a ser um cientista humano? Mereceria o epíteto de cientista aqueles que relegam o conhecimento ao domínio de seus ideais e de suas paixões? São algumas outras de suas indagações. [...]

Além da extensa introdução que pretende familiarizar o leitor às questões subseqüentes subdivididas em três partes – Questões de envolvimento e alienação, Os pescadores e o turbilhão, por fim, Reflexões sobre a Grande Evolução –, o autor insiste sempre quanto à impossibilidade da existência de descobertas absolutas novas, incluindonão só o processo científico como um todo, suas derivações de questionamentos protocientíficos, mas também, em particular, o direcionamento de seu próprio campo: o da sociologia. É nesse sentido que enfrenta de forma privilegiada o avanço de conhecimentos aparentemente dicotômicos ou postulados às impossibilidades nas defesas emocionais dos quadros mentais departamentais. Escolhemos apresentar esta resenha sob alguns pontos específicos que se concentram na dinâmica “envolvimento” e “alienação”, ainda que diversos outros direcionamentos e questionamentos realizados pelo autor possam emergir das, por vezes escrita truncada e repetitiva, entretanto instigante e elucidativa leitura. Servem à reflexão de todos que têm a ciências em geral como foco de suas realizações, e, em particular, às ciências humanas na árdua busca de um papel mais ativo nos problemas gerados pelos seres humanos. [...]

Entretanto, em todos os casos, o alvo das pesquisas devem ser a de encontrar uma ordem inerente de como são os acontecimentos, independentemente não de qualquer observador ou “sujeito”, mas de qualquer observador em específico; e a importância, sua relevância ou seu valor daquilo que é observado, é avaliada de acordo com o lugar e a função que pareçam ter nessa ordem. Como observa Zigmunt Bauman, Elias incrementa bases daqueles que defendem que as ciências sociais e a história não só podem, como devem, ao mesmo tempo almejar a compreensão e, quando possível, a explicação. O nível de segurança e de  medo dos “sujeitos” é o ajuste do equilíbrio e a interferência do fato do não-saber manipular de forma distanciada os dilemas que se configuram ininterruptamente, ou seja, num nível de relação que posicione o objeto de maneira a favorecer uma compreensão em outro nível. A idéia Reculer pour mieux sauter revela-se esclarecedora quando Elias recorre à parábola extraída de um conto de Edgar Allan Poe. No segundo capítulo, Os Pescadores e o Turbilhão, a imagem do nível de interdependência entre o envolvimento e alienação,  bem como a resolução do problema através de uma análise distanciada da situação pode elucidar os processos distintos entre os “dois tipos de ciências”. Reproduzir aqui a  passagem em que relata a parábola nos parece interessante: 

“Pode-se lembrar que os pescadores, enquanto estavam sendo vagarosamente arrastados para o abismo do  rodamoinho, por um momento ainda flutuavam colados às paredes do funil, junto com os restos do naufrágio. Logo no início, os dois irmãos – o mais moço já fora arrancado pelo temporal – estavam muito tomados pelo medo para pensar claramente e observar atentamente o que ocorria em torno deles. Depois de algum tempo, entretanto, um dos irmãos foi capaz de vencer seus temores. Enquanto o irmão mais velho se encolhia desamparadamente no bote, paralisado pela vizinhança do desastre, o mais jovem acalmou-se e começou a observar tudo a sua volta, com certa curiosidade. Foi então enquanto tudo considerava, quase que como se não estivesse envolvido, que notou certa regularidade de movimentos nas peças que estavam sendo arrastadas em círculos, juntamente com o bote. Enquanto observava e refletia, ele teve uma “idéia”; uma visão reveladora do processo que estava envolvido; e uma teoria começou a se formar em sua mente. Olhando a sua volta e raciocinando, chegou à conclusão de que os objetos cilíndricos desciam mais lentamente do que os objetos de quaisquer outros formatos e que os menores afundavam mais devagar do que os grandes. Baseado nesse quadro sinótico das uniformidades do processo no qual estava envolvido e reconhecendo a importância dessas uniformidades para sua própria situação, tomou a iniciativa correta. Enquanto o irmão continuava imobilizado pelo medo, ele se amarrou a um barril. Encorajando em vão o mais velho a fazer o mesmo, pulou no mar. O bote com o irmão desapareceu mais rapidamente, sendo, afinal, engolido pelo abismo enquanto o barril a que ele se amarrara afundava muito lenta e tão gradualmente, que à medida que inclinação do funil se tornou menos íngreme, e a rotação da água menos violenta, ele surgiu novamente na superfície do oceano, retornando, afinal, à vida”. (ELIAS, N. 1998, 165-166).

Assim como as guerras que chegaram concretamente à condição de silenciar a vida da espécie humana e de tantas outras, não menos temível eram as relações dos humanos com o sol, as estrelas, o trovão, os cometas, as sombras entre tantos outros fenômenos dos quais tiveram que progressivamente enfrentar para buscar uma explicação das determinações de seus cursos. Todavia, foi somente agindo de dentro das situações dilemáticas que os humanos foram impelidos a alcançarem níveis específicos de experimentação de maior  congruência com os fatos, e não guiado pelos temores suscetíveis dos fenômenos pouco compreendidos. [...]

O culto ao método

Uma outra dificuldade que as ciências humanas paradoxalmente encontram é a de estar em companhia de um estilo de pensamento que provou ser bem adequado na relação entre os humanos e os acontecimentos físicos, mas que não é igualmente apropriado no trato com outros humanos. E isso não diz respeito apenas ao fato de conceitos específicos de causalidades ou de explicações formadas serem generalizadas e usadas quase que naturalmente nas pesquisas sobre relações humanas; essa difusão mecânica dos modelos revela-se também, por exemplo, na ampla identificação de “racionalidade”, sobretudo com o uso de categorias desenvolvidas em conexão com experiências relativas aos acontecimentos físicos e na suposição de que o emprego de outras formas de pensamento sejam necessariamente uma inclinação para a irracionalidade ou metafísica. A tensão existente entre o modelo que obteve bons resultados e outros campos cujo procedimento mostra-se ineficaz, revela a conhecida ambivalência entre cumprir as determinações da autoridade que legitima a concepção de cientificidade a partir de seu espelhamento sobre  a teoria das ciências, e a clarificação dos caminhos distintos que apresentam ser mais adequados, impondo uma modificação, e ampliação da própria compreensão do caráter científico. [...] 

Diz Elias, o uso do método nas ciências sociais e mesmo nas ciências biológicas, reveste-se da aparência de um alto grau de alienação e de objetividade, contornando apenas as dificuldades que surgem do dilema dos cientistas sociais sem lhes permitir enfrentá-las. Cria-se em grande parte dos casos uma fachada de alienação,  mascarando uma abordagem altamente envolvida. É nesse sentido que a companhia é problemática. A emergência da autoridade superior daqueles que alcançaram uma maior eficácia no empreendimento de suas pesquisas sobre os campos cujos procedimentos são menos eficientes, tendem a impelir que estes últimos reproduzam o “correto” de modo a não enfrentar o problema. E isso, ademais, pode ser compreendido como apenas mais uma demonstração de um traço bastante recorrente da história humana. A tendência à manutenção dos primeiros níveis de desenvolvimento e dos antigos modelos como base em diversos campos. A abstração desses procedimentos específicos de um modo geral do método científico e a freqüente demanda de que isso seja a característica suprema da  pesquisa científica têm conduzido à negligência ou até mesmo a exclusão do campo da pesquisa sistemática de amplas áreas de questões que não se prestam facilmente à exploração por meio de um método de protótipo pré-estabelecido. A fim de serem capazes de usar métodos dessa espécie e de se provarem cientistas aos olhos do mundo, os pesquisadores são freqüentemente induzidos a responder a questões insignificantes, deixando sem respostas outras, talvez de maior significação. São induzidos a recortar seus temas de modo a ajustálos a seu método, ou suas pré-suposições arbitrariamente normatizadas. Soma-se a isso, o próprio amparo institucional que, de cima pra baixo, age na regulamentação de tais procedimentos. Entretanto, em comum, o objetivo dos cientistas pode ser compreendido na direção de desenvolver um corpo permanente de teorias ou modelos, um corpo igualmente crescente de observações sobre acontecimentos específicos que garanta progressivamente uma maior congruência entre si. (grifo nosso) [...]

Processos paralelos: fantasia e realidade

A maioria dos investigadores costuma lidar com as concepções pré-científicas do mundo como sociedade de agentes cheia de presságios, sinais e outras comunicações com os homens simplesmente como uma concepção errônea, uma teoria incorreta com a qual não é preciso se preocupar na medida em que ela possa permitir a percepção de previsões ou indicações da visão mais adequada. Essa consideração (ou desconsideração) dissimula o problema de que, em toda parte, os seres humanos inicialmente vivenciam o mundo animado, conectado por atos voluntários e objetivos encadeados por sinais, presságios eoutras formas de comunicação sendo somente muito depois promover um nexo causalpuramente mecânico. Contudo, o que interessa sobre esse ponto na discussão preconizada na obra, são as dificuldades que os homens têm que superar para alcançar àquelas que os homens tiveram que superar a fim de realizar o objetivo de trazê-las à cena. Isto é, acapacidade de promover a caminho trilhado pelas categorias do não-saber.

A Hipótese da Grande Evolução
 
A hipótese da Grande Evolução, última parte da obra, consiste em considerações que além de apresentar algumas das diversas lacunas existentes nos quadros explicativos do processo evolutivo, observa necessidades de maiores exatidões de uma série de conceitos tais como “vida”, “morte”, “razão”, “conscientização”, “organismo”, entre alguns outros, suscitados a partir das descobertas e aceitação da existência de etapas específicas desse processo de direção não planejada e não linear. Elias acredita que a conexão quanto às diferenças entre os principais grupos das ciências empírico-teóricas, ou seja, entre as ciências físico-químicas, biológicas e humanas, talvez possam ser mais bem captadas chamando a atenção  para os processos pelos quais as estruturas crescentemente complexas surgem de estruturas nem tanto e, em alguns casos, a ela revertem. O processo da organização dos elementos que compõe os diversos níveis de complexidade dos organismos em etapas de graus diferenciados de complexidade serve à percepção do quadro sinótico do processo das relações de interdependência entre as ciências. Essa hipótese necessitaria ainda de um acúmulo de verificações e preenchimentos ainda não estabelecido. No entanto,descobertas nos mais diversos níveis impelem para um amplo processo-modelo desse tipo. (Clique aqui para ler o artigo na íntegra e/ou fazer o download.)

0 comments

Postar um comentário

    Arquivo

    Cultmidiáticos