QUALIS para livros

Posted by admin 7 de out. de 2010

Fonte: Ciência e Cultura

Cienc. Cult. vol.62 no.3 São Paulo  2010


Necessidade em equilibrar quantidade e qualidade

Rodrigo Cunha

Este é um ano significativo para a história da leitura, com definição de caminhos em produção e disseminação do conhecimento científico. Em janeiro, a Apple anunciou o lançamento do seu leitor de livros digitais que, além de concorrer com o Kindle da Amazon, a maior livraria virtual da atualidade, reacende o debate sobre a tendência de circulação cada vez maior da informação pelo meio digital, com o possível fim dos suportes de leitura em papel. Em fevereiro, um editorial da Nature, no rastro dessa novidade tecnológica anunciada, defendeu o incentivo à disseminação do conhecimento científico no formato de livro. No mês, seguinte, no Brasil, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) lançou um programa pioneiro para disponibilizar o download gratuito de livros digitais, contemplando inicialmente 44 obras de pesquisadores de 22 programas de pós-graduação da universidade.

Ao contrário do artigo científico em periódico, o livro oferece espaço para contemplar ideias complexas e transmitir um modo de pensar. Mas o que é um bom livro? Qual a diferença na avaliação do que é produzido em periódico e o que é publicado em formato de livro? Para pesquisadores das ciências duras, tanto a revisão dos artigos por pares dos cientistas, como a classificação dos periódicos por agências oficiais que dão chancela de qualidade, são bons parâmetros para se padronizar a avaliação das produções. Já nas ciências humanas e sociais, os pesquisadores defendem que sejam consideradas especificidades de cada área e diferenças de enfoque e conteúdo, que demandam distintas formas de comunicação.

Um estudo feito por Suzana Machado Mueller, do Departamento de Ciência da Informação e Documentação da Universidade de Brasília, sobre a produção de 226 bolsistas do Programa de Estágio Pós-Doutoral no Exterior da Capes em um período de oito anos, mostra uma nítida diferença nos canais preferenciais para publicação em cada área. Enquanto os pesquisadores de ciências agrárias publicaram uma média de 2,7 artigos por ano em periódicos nacionais, os das ciências exatas preferiram o periódico estrangeiro, com média de um artigo por ano, número quatro vezes maior que nas ciências humanas. Mas a situação se inverte quando a publicação é na forma de capítulo de livro: enquanto nas ciências humanas a média é superior a cinco trabalhos por pesquisador, nas exatas, não chega a um para cada três pesquisadores. Quando se trata de livros inteiros, então, os pesquisadores das ciências humanas publicaram em oito anos cerca de 3,8 títulos cada, enquanto os das exatas publicaram 0,2 obra cada no mesmo período

"Por que as outras áreas têm tanta dificuldade em aceitar que livro ou capítulo de livro tenham o mesmo peso que artigos nas avaliações? Porque, até agora, não se achou um meio adequado de avaliação de livro ou capítulo de livro", responde o linguista José Luiz Fiorin, membro do Conselho da Universidade de São Paulo (USP). Ele acredita que, para avaliar a qualidade dos livros, é preciso haver critérios bibliométricos precisos, confiáveis de avaliação como, por exemplo, considerar o peso da editora, a forma como ela avalia suas publicações.

QUALIS PARA LIVROS

O editor executivo da editora da Unesp, Jézio Hernani Gutierre, concorda com Fiorin e diz que nunca foi tão fácil publicar, bastando para isso pagar. "Hoje, há um esforço universal para estabelecer um critério Qualis de livros, baseado na qualificação das editoras, em selos respeitáveis, com trajetória de muito tempo e com seu corpo de avaliadores. Este ano está sendo inaugurado na biblioteca virtual SciELO um procedimento mais robusto de avaliação de livros, com critérios para ranqueamento, com participação das editoras da Universidade Federal da Bahia, da Fiocruz e da Unesp", revela.

Para Jorge Machado, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, definir critérios bibliométricos precisos e confiáveis é bastante difícil. "Em ciência é tudo por indicação: há um misto entre meritocracia, networking e alinhamento com o paradigma vigente. Nesse sentido, a ciência é muito conservadora." Em sua opinião, os critérios tendem a ser mais confiáveis quanto maior for a participação da comunidade, o escrutínio público e a transparência das diferentes etapas do processo. "Ficamos a dever em todos esses itens." 

A tentativa de buscar equilíbrio entre quantidade e qualidade na produção também põe em questão as obras em que um ou dois pesquisadores convidam múltiplos autores para colaborar, cada um deles, com um capítulo. O jovem pesquisador poderia encontrar nesse tipo de publicação uma forma de atender às pressões das instâncias que avaliam sua produção do ponto de vista quantitativo. Mas os convites, em muitos casos, são voltados para quem já tem uma produção consolidada.

No fim de maio deste ano, entre os treze lançamentos apresentados no site da editora da UFMG, por exemplo, seis eram creditados a organizadores, ou seja, mais da metade era de autoria coletiva; já, no mesmo período, a proporção de livros de múltiplos autores entre os lançamentos da editora da Fiocruz, era de um terço; a editora da Unesp apresentava em seu site duas obras desse tipo entre quinze que estavam sendo lançadas. "Você tem uma quantidade grande de propostas de obras coletivas, mas a grande maioria ainda é monografia", diz Gutierre. "Mas com a proliferação de congressos e simpósios, muitos anais passaram a ser publicados na forma de livros, e a queda de qualidade é nítida nesse tipo de publicação. 

Fiorin, que publicou livros de sua autoria e organizou obras com vários colaboradores, diz que é preciso repensar o valor do livro integral feito por um único autor. "Algumas coisas que já fizeram muito sentido na avaliação, não fazem mais. Uma pessoa não pode investir um tempo tão grande para fazer um livro, porque a avaliação nas pós graduações exige resultados mais rápidos", conclui.

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