28 dias para a gente

Posted by admin 30 de jan. de 2010


Carlos Tourinho, presidente da ABD-RN, entidade que reúne documentaristas e curta-metragistas potiguares, enviou um artigo assinado por Silvio Tendler, que além de cineasta é um dos criadores da Associação dos Pesquisadores Cinematográficos.
Sociedade Aberta - São 28 dias para a gente e 337 para eles
Silvio Tendler (diretor de Jango (1984) , Glauber, o filme – Labirinto do Brasil (2003), Encontro com Milton Santos (2007), entre outros filmes) 
Fonte: JB

RIO - Antes de mais nada, duas considerações: 1)Target, gap, pitching, modelo de negócios. Não, não estamos numa aula de inglês ou de administração. estamos falando de cinema. No Brasil. 2) Volta e meia encontro alguém que me pergunta “por que você não faz um filme sobre isso?” e sugere um tema que já filmei. E não apenas os meus, mas vários filmes já foram feitos e que circularam premiadíssimos em festivais mas não conseguem cumprir seu destino, do encontro marcado com os espectadores numa sala de exibição deixando frustrados cineastas e espectadores.

As 2 mil salas de cinema do Brasil agora são obrigadas, por decreto , a exibirem filmes brasileiros durante 28 dias por ano. Esses 28 dias devem ser divididos no mínimo por dois filmes o que assegura duas semanas de exibição por ano por filme e acabou. Quem colocou colocou. Quem não colocou não coloca mais . Trocando em miúdos, significa que dois filmes exibidos durante duas semanas cada um nas salas de exibição cumprem a lei que beneficiaria o cinema brasileiro como um todo. Medida anódina, placebo estéril que na verdade revela que o cinema estrangeiro tem aqui uma reserva de mercado assegurada de 337 dias por ano. Se o ano for bissexto 338 dias.

Nós continuamos olímpicos com nossos 28 dias. O que eles não utilizarem, volta para nós então. No final dos anos 80 chegamos a ter uma cota de tela de 152 dias por ano, que foi extinta quando chegou-se à conclusão de que nacionalismo era pecado e proteção à industria, mesmo a cultural, era um crime contra a abertura dos portos às nações amigas.

Adoramos macaquear tudo o que vem de fora, exceção as coisas que dão certo. Os Estados Unidos têm a MPAA, lobbysta intransigente do cinema americano e onde Hollywood sente-se ameaçada ou eles respondem com retaliação econômica ou, em caso extremo, desembarcam os Marines (de verdade, em carne e osso, ou de cinema). A França faz do audiovisual um cartão de visitas do país e defende a exceção cultural dentro do tratado de livre comércio para proteger sua indústria cultural. No Brasil ainda estamos no meio do caminho. Hoje são míseros 28 dias incapazes de resolver os problemas do cinema nacional, o tamanho de nosso latifúndio nas telas nacionais.

Nesta caminhada, nos perdemos nos labirintos da linguagem e desaprendemos a nos estruturar com uma linguagem própria. O cinema argentino está bem melhor no que tange em relação com a realidade. O que fazer então com os inúmeros filmes produzidos a cada ano? Como imprimir nossa realidade nas telas brasileiras? Como enfrentar dois filmes lançados com mais de 500 cópias cada um ocupando juntos e de uma só vez 95% das salas brasileiras? Como tornar visíveis filmes no Brasil que sobrevivem enfrentando espremidos os “arrasa-quarteirões” (blockbusters para os íntimos) que chegam montados em farta mídia internacional e bombando na mídia nacional?

Hoje temos muito mais perguntas do que respostas. Uma coisa é certa: temos filmes e autores capazes de caminhar com as próprias pernas, enfrentando com nossa realidade e tenacidade o desafio de imprimir uma realidade e um ponto de vista nosso que só nós podemos colocar. As nossas imagens nas telas nos pertencem!. Pode parecer contraditório com o que foi dito no parágrafo anterior e extremamente nacionalista, extemporâneo numa cultura globalizante mas, se não é de contradições que se nutre a arte, qual será seu alimento principal?

Mesmo com apenas 28 dias de cota de tela é bom fazer cinema no Brasil.

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